NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS (entendendo os manifestos no Brasil - demandas sociais)
O estudo sociológico dos movimentos sociais possui duas matrizes de análise: uma perspectiva clássica, que dará de fins do século XIX, até meados da segunda metade do século XX, e que representa um referencial essencialmente marxista, ligado a processos mais amplos da sociedade industrial; e uma perspectiva contemporânea, estabelecida a partir de fins dos anos 60, que abrange diferentes formas de organização com base em interesses e valores oriundos de universos distintos, que buscam mudar a ordem social existente ou parte dela, atuando fora da esfera institucional, por meio de grupos articulados em torno de demandas que vão muito além da classe e da distribuição de bens.
Modelo Clássico – compreende as articulações revolucionárias, percebidas como mobilizações de massa oposta ao poder de um Estado que se coloca de forma antagônica a uma camada social despossuída e explorada. Frente a esse contexto, esta última procura se mobilizar, derrubar e substituir a forma de poder vigente vista então como opressora, trocando-a por outra de natureza semelhante, mas devotada a ações com finalidades distintas da antecessora. Apenas por meio da renovação de estruturas ligadas à redistribuição de bens e serviços, seria possível a reorganização de preceitos éticos, morais e culturais. Para que essas perspectivas pudessem ser colocadas em prática, o modelo clássico compreende que deveria haver primeiro o aprofundamento do descontentamento social, que, por sua vez, seria canalizado para a mobilização em prol da derrubada do poder. Para tanto, a violência exercida por um determinado grupo de oposição é vista como um recurso de mobilização política eficaz, como comprovado por meio do movimento revolucionário francês em 1789.
Um dos representantes de maior prestígio do modelo clássico foi Karl Marx, que defendia serem a privação, a exploração e a mobilização de classes por elas próprias insuficientes para alicerçar qualquer movimento. Mostrava-se necessário, portanto, mobilizar os recursos disponíveis para transformar as contradições inerentes ao sistema capitalista em oportunidades para transformar opressão a mudança.
Modelo Contemporâneo de análise de cunho social é definido como “novos movimentos sociais” Ele engloba o contexto que perpassou o século XX, a partir das décadas de 1960 e 1970, e, assim foi denominado para que se distinguisse dos movimentos sociais de natureza clássica, em que a ênfase recaía sobre o critério de classes e o confronto destas com o desenvolvimento de forças produtivas. Em meio a esse cenário, as mobilizações coletivas passaram a ser corroboradas por conceitos de identidades, frente aos quais se afirmavam grupos de demandas diferenciadas, a exemplo de movimentos de caráter pacifista, ambientalista, racial, homossexual, entre outras minorias, sobretudo no ambiente urbano.
A politização de problemas cotidianos colaborou para despertar da consciência de direitos e aprofundou questionamentos. Movimentos de diferentes direções passaram a emergir, dando voz a segmentos diversos, entre os quais serão enfocados os operários, as comunidades eclesiais de base, as feministas, o movimento gay, o movimento negro e os sem-terra.
MOVIMENTO OPERÁRIO URBANO
COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE
Destacam-se como pequenos grupos articulados a partir do trabalho de agentes pastorais, líderes comunitários, padres e membros de ordens religiosas no cenário urbano brasileiro, a partir de 1965. A partir de 1974 a forte repressão aos grupos clandestinos de oposição ao contexto da Ditadura Militar gerou o esfalecimento daqueles, o que colaborou para que se disseminassem junto a movimentos populares comunitários , a exemplo das Comunidades Eclesiais de Base. Dessa fusão, nasceram vários movimentos sociais no final da década de 1970, que valorizavam as demandas cotidianas das localidades mais caentes.
A articulação das Comunidades Eclesiais de Base permitiu, ainda, que emergissem movimentos sociais de outras naturezas, como as associações de bairro, que se ramificaram e colaboraram para que categorias diversas também começassem a se agrupar, resultando em movimentos que lutavam pela defesa e ampliação dos direitos étnicos, raciais e homossexuais.
MOVIMENTO FEMINISTA
Afirmou-se por vias indiretas, por meio dos clubes de mães, cuja origem remonta aos anos iniciais da década de 1970. Esses clubes de mães, cujo caráter foi inicialmente de assistência social, adquiriu com o passar dos anos ares de organização social, fomentando o caráter associativo feminino. As temáticas elevaram-se até centrar-se na opressão ao papel social da mulher. Criava-se um vínculo convertido em reivindicações de direitos a ser conquistado pelo universo feminino. O movimento feminista procurou defender seus direitos e suas necessidades, bem como denunciava desigualdades. Cooptava as mulheres para repensar e transformar a situação feminina, incluindo a questão de gênero na agenda pública como uma das desigualdades a ser superadas em meio à reabertura do regime democrático.
MOVIMENTO DOS SEM-TERRA
Surgiu em Santa Catarina, em 1979, e apresentou rápido crescimento nos estados brasileiros entre 1985 e 1988. Entre 1988 e 1996, o movimento passou a integrar comissões de saúde, educação, produção e administração para atuarem nas ocupações da terra que articulavam, bem como se dedicou à elaboração de normas de militante, entre outros aspectos dessa natureza, ganhando, desse modo consistência organizacional. A expansão do Movimento Sem-Terra no decorrer da década de 1990 deveu-se ao fim do financiamento das políticas sociais, em virtude de acentuada crise fiscal, afastando o Estado como elemento regulador. Frente ao cenário descrito, parte dos segmentos sociais rearranjou-se de forma a enfrentar aquilo que percebiam como um abandono por parte das instituições de regulação do Estado e desinteresse por parte do capital privado.
Dentro do Movimento Sem-Terra estão presentes duas vertentes: uma que acredita na possibilidade de o MST criar um projeto nacional em oposição à lógica de posse de terras vigente, por meio de ação revolucionária ( que consistiria em conscientizar os setores mais frágeis de modo a criar alianças necessárias para transformar a disparidade observada em meio à massa de explorados que não dispõe de espaço mínimo e uma minoria exploradora que detém a maior parte da posse de terra); e a outra que não vê a atual realidade como passível de ser rompida, daí a necessidade de planejar e executar invasões de terras consideradas devolutas.
Mesmo com a ampliação deos movimentos sociais nas últimas décadas, a demanda da luta pela terra ainda é um assunto pouco presente nessas mobilizações.
MOVIMENTO INDÍGENA
Mesmo com o reconhecimento do artigo 231 da Constituição Federal de 1988 a organização social, os costumes, os dialetos, as crenças, as tradições e os direitos indígenas sobre suas terras, cabendo à União demarca-las e protege-las, em especial no que se refere aos bens que dispõem não é vista desta forma pelas 305 etnias localizadas nas 505 terras indígenas. Um dos argumentos que provam essa situação está na persistência dos protestos envolvendo diferentes grupos indígenas, em especial no que se refere a constantes conflitos de terras. Aqueles que tiveram sua delimitação concluída continuam sendo ameaçadas pelas expansão da produção de soja e de açúcar, sob o argumento de que existem terras em excesso divididas para um número limitado de tribos indígenas.
Além de conflitos territoriais, os indígenas atualmente também lutam pela preservação de instituições ligadas à preservação da sua memória. Exemplo disso se deu quando a prefeitura do Rio de Janeiro definiu, sem qualquer diálogo com as instituições ligadas ao movimento indigenista, a destruição do Museu do Índio, de forma a permitir a construção de estacionamentos visando ao atendimento do novo estádio do Maracanã, reformado para sediar a Copa do Mundo de 2014. Outra pauta está na investigação acerca de um possível genocídio desse povo cometido ao longo da ditadura militar.
Há também denúncias sobre existências de campos de concentração, centros de tortura e prisões indígenas. As redes sociais no Brasil foram invadidas por fotos de índios nos perfis do Facebook, em 2013. O motivo foi a manifestação da população, mesmo por via virtual, em defesa dos índios Guarani-Kaiowás. Pr trás dessas práticas estava uma suposta política de desenvolvimento que, em troca do extermínio de diferentes áreas indígenas, abria caminho para que as empresas interessadas pudessem atuar no local.
AS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS (ONGs)
Constituíam instituições de apoio aos movimentos sociais e populares que se articulavam contra o regime militar instaurado a partir de 1964, e, em favor da redemocratização do país, estavam por trás deles na luta contra o regime militar e pela democratização do Brasil. Com o processo de reabertura política em fins da década de 1980, as ONGs deixaram de permanecer à sombra dos movimentos e tornam-se instituições com perfil ideológicos e projeto político definidos, muitas vezes desvinculadas dos movimentos aos quais davam suporte anteriormente. Tornaram-se protagonistas ativas em temáticas conectadas ao atendimento das especificidades culturais, sejam em âmbito local, regional, nacional ou transnacional. Procuravam representar a ideia de responsabilidade social dos cidadãos nas arenas públicas por meio de parcerias com as políticas sociais governamentais para a administração de demandas sociais.
Ao longo da década de 1990, as ONGs perderam força, pois grande parte delas atuava sem questionar as bases do modelo de desenvolvimento vigente, mas agiam por meio de ações paliativas que priorizavam as parcerias com as políticas públicas estatais, atendendo a clientelas específicas, sem atingir a parcela que de fato necessitava de atenção.
MOVIMENTO HOMOSSEXUAL
O movimento homossexual brasileiro tem suas raízes em fins da década de 1970, quando era composto em grande parte por homens homossexuais. Após os primeiros anos de militância, abrangeu as lésbicas, que passaram também a se engajar pelo seu reconhecimento político. Nos anos de 1990, o movimento passou a englobar os travestis e os transexuais, assim como, nos anos 2000, assistiu à adesão dos bissexuais. Em comum, todas essas subcategorias reivindicaram a politização da discussão homossexual no Brasil, procurando desagregar a visão de que estariam relegados à permanente discriminação, amargando, assim, uma eterna invisibilidade.
De início, as associações atuavam por meio de pequenos jornais distribuídos em bares, fã-clubes de artistas ou festas que concentravam grande público homossexual. Eram grupos de reflexão, não institucionalizados, norteados pela noção de que os integrantes compartilhavam uma mesma “condição” e as mesmas necessidades, sem que houvesse delimitação da diferença entre os integrantes. Com o passar dos anos, o foco se ampliou e se voltou para a exigência de direitos universais e civis plenos, o que envolvia a politização da pauta homossexual de modo mais amplo, a exemplo da luta contra a patologização da homossexualidade – retirando-a do rol de doenças-, bem como manifestações contra a violência policial imposta aos grupos homossexuais.
No decorrer da década de 1980, o movimento homossexual ganhou enorme visibilidade em virtude da disseminação do HIV, levando à mobilização dos grupos para lutar pela formulação de políticas públicas visando o atendimento da comunidade homossexual soropositiva. As décadas de 1990 e 2000, apontaram para a diferenciação de vários sujeitos políticos internos ao movimento homossexual: lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, o que propiciou a busca por demandas específicas a cada um desses subgrupos. Nesse mesmo período, mostrou-se uma articulação em relação ao investimento na eleição de parlamentares ligados ao movimento homossexual, para que pudessem trabalhar na proposição de projetos de leis nos níveis federal, estadual e municipal visando ao atendimento daquela minoria.
Nesse âmbito, destacam-se os projetos de leis referentes ao reconhecimento do direito à constituição de famílias homoafetivas, incluindo a garantia de direitos quanto à paternidade ou à maternidade e a igualdade de benefícios dos cônjuges em caso de morte do parceiro (a); a restrição e a criminalização de comportamentos discriminatórios; entre outros. Houve também uma significativa diversificação de pesquisas acadêmicas em torna da sexualidade em diferentes áreas do conhecimento a partir da década de 1990, desencadeando a emergência de núcleos de pesquisa voltados para a diversidade sexual nas universidades brasileiras.
O MOVIMENTO NEGRO
Durante a ditadura militar brasileira, o movimento negro, tal como outros movimentos sociais, foi desmantelado. Um dos argumentos empregados pela política do período era o de que o racismo não existia no Brasil, mas tratava-se de uma invenção dos grupos antirracistas. Assim sendo, não havia na época sequer discussão pública sobre a discriminação, já que, segundo a lógica dos militares, não se podia debater sobre algo que, supostamente, não existia.
Na década de 970, começaram a emergir ações isoladas de grupos negros que pudesse permitir o enfrentamento do regime ditatorial para levar adiante suas demandas, não alcançavam o sucesso esperado.
Inspirados no crescente movimento negro norte-americano e tendo como referência líderes que atuavam em prol dos direitos civis negros nos Estados Unidos, como Martin Luther King e Malcom X, bem como organizações negras marxistas, a exemplo dos Panteras Negras e movimentos de libertação de países africanos que se articulavam visando à independência, surgiu em 1978, no Brasil o Movimento Negro Unificado, que marcou o retorno de uma associação negra de caráter organizado à política. Entre os objetivos demarcados estava a unificação da luta de todos os grupos e organizações antirracistas em escala nacional, fortalecendo, assim, o poder político dessa organização
O Movimento Negro Unificado colocou em pautas: denúncia pública do problema do racismo. Negro no poder. 13 de maio Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo. 20 de Novembro, data de celebração do MNU (presumível dia da morte de Zumbi dos Palmares), a qual foi eleita como Dia Nacional de Consciência Negra. A palavra “negro” passou a ser usada para todos os descendentes de africanos escravizados no Brasil. Passou a ser usado como orgulho pelos ativistas.
Para a concretização dos aspectos descritos, o MNU passou a atuar, especialmente, na área educacional, requisitando a inclusão da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares ( a partir de 2003), o desenvolvimento de uma pedagogia em que houvesse lugar para as diferentes etnias; o retorno da imprensa negra ao longo dos anos 1970; e o resgate dos padrões de beleza, da indumentária, da culinária, dos nomes e das religiões africanas. Por fim, o movimento negro destacou-se em meio a uma campanha política contra a mestiçagem, colocando-a como uma política de branqueamento responsável pela diluição da força da cultura negra. Estimulava-se, portanto, o casamento entre indivíduos negros, com o argumento de que, assim, seriam capazes de desarticular a mestiçagem.